segunda-feira, 29 de março de 2010

Maldição

Naufragas na urgência das lágrimas que chorei por ti.
Infelizmente não levas contigo os baús das memórias e das palavras que insistem em criar amarras e lançar âncoras na minha cabeça e que tento, a todo o custo, afogar.
Só trouxeste tempestade e mar bravio.
E afinal quem naufragou fui eu.

domingo, 28 de março de 2010

Esquiço

Um pôr de sol domingueiro a preto e branco. Em Coimbra. Por entre as ruas sinuosas da baixa, com as suas varandas negras cobertas por alva roupa estendida a preceito que rapidamente embebe aquele cheiro misto de pomba e mofo, surge aquele fio de telefone. Choca com a envolvência de um bucolismo urbanizado, com gentes paradas, conversas desinteressadas, sofrimentos esquecidos. Terceiromundista. A preto e branco. Não se sabe que vidas e vozes liga, ou desliga, sabe-se que lá está.
Da solidão da janela da minha varanda de preto e branco vestida, invejo todos os pontos finais, vírgulas e interjeições que, titubeantes, por ele se passeiam.

quinta-feira, 25 de março de 2010

"O que há em mim é sobretudo cansaço..." *

Pessoa escrevera para ela. Fora esse o tema da discórdia. Uma impossibilidade. Degladiaram-se pela atenção do Poeta, numa guerrilha de palavras doces e sorrisos oblíquos. O cessar fogo, esse chegou quando lhe segredou ao ouvido que também ele escreveria para ela, porquanto era o único que entendia a matéria de que a sua alma era feita.
Aguardava impacientemente a intifada contra o Poeta. Desejava a tradução da sua alma por parte de quem tão bem entendia o seu corpo.

Não.

Das entrelinhas inexistentes das páginas em branco que sumptuosa e altivamente lhe entregou, ela retirou, qual mensagem subliminar, que tudo não passara de fogo fátuo. Que a sua alma continuava indecifrável e que apenas o Poeta com os seus languidos e cansados “íssimos” compreendia que nela havia uma dor macerada e calada pela insistência no óbvio, no fácil, no imediato, no transparente e no solar.


(*Citação de Álvaro de Campos)

quarta-feira, 24 de março de 2010

Abriu todas as portas e janelas de casa.
Esperou sentada a um canto, pacientemente, o vento.
Ele levaria os cheiros, as memórias, as mentiras (em actos e omissões como na Salvé Rainha), os sorrisos, as noites perdidas, os enganos e os sonhos. Ia levá-los lá para o fim do mundo para os entregar ao ladrão que salta de olhos fechados o Pulo do Lobo e se perde de vista para não mais voltar. Este sorriu porque há muito esperava a chegada do vento. Encolheu os ombros e desviou o olhar, murmurando que era a vida e que quem dá o que tem a mais não é obrigado. Abriu o saco, de forma repentina e desinteressada, e colocou lá dentro, num gesto estupidamente simbólico, o presente de Natal envenenado e desapareceu.
Das águas revoltas do rio distante que nunca se sentiu o toque ou o sabor ficou apenas isso, água. Nada se alterou. A paisagem continua a mesma. As três árvores pespegadas no caminho para a civilização também. Inabaláveis. A estrela d'Alva, mesmo sem o Zeca, continua a vir de madrugada. E Viana do Castelo continua na Beira. E Castelo Branco no Minho. Espera... Ou será ao contrário?
Levantou-se, fechou portas e janelas e sorriu.
Encolheu os ombros e murmurou entre dentes que era a vida e quem dá o que tem a mais não é obrigado.
O rio de cá é igual ao de lá. Corre desalvoreado e não são as pedras no caminho que o desviam do mar. Porque o rio não espera. E ela também não.

[Imagem: Margarida Delgado]

Durante o tempo e espaço infernais que nos separam penso nos milhares de coisas que tenho para te dizer. Coisas para partilhar, para te abraçar no meu mundo e te trazer para perto de mim. As palavras atropelam-se na minha cabeça e penso que não terei tempo para te dizer tudo o que sinto, o que penso, o que duvido, o que quero e o que não quero, o que devo e o que não devo. Também temo, qual canção velhinha do Sinatra em que tudo se estraga com palavras.
Ainda assim, por muito que seleccione os adjectivos, que agrupe todas as palavras em frases bonitas e carregadas de sentido, quando estou contigo apenas me apetece calar. Olhar-te. Sentir a tua pele. Sentir os teus lábios nos meus. Nessa altura, apenas o silêncio faz sentido...

terça-feira, 23 de março de 2010

A insustentável leveza de um "Quase"

Sussurrara-lhe numa voz gritante que quase a amava.
Mas ela amava gritar-lhe numa voz sussurada que subtraira o quase.

segunda-feira, 22 de março de 2010


O dia confessou-me esta manhã que sentia a tua falta.
Recusou-se a amanhecer.
Preferiu amarelecer.

[Imagem: Margarida Delgado]


sábado, 20 de março de 2010

Fui baleada pelo som da tua voz,
pelo toque da tua alma,
pelo cheiro da tua presença.
Mas a chaga que abriste em meu peito não sangrou.
Murmureja apenas uma saudade indizível
num lento gotejar de lágrima:
a inquietante ansiedade do teu regresso.
Pegava dezenas de vezes no telefone. Segurava-o a medo junto à face, esperando ansiosamente que do outro lado brotasse a tua voz sussurrada, trauteando no meu ouvido a canção de amor outrora alinhavada com fios de beijo e de mel .
Em vez da tua voz, a linha que nos une devolvia-me apenas um sinal monocórdico de interrompido.
Tal como nós.


[Imagem daqui]

Saudade

Doem-me as palavras que urgem ser partilhadas contigo.
Lateja-me no peito a urgência.
Tenho em mim o agridoce do teu sabor e da tua ausência
E vivo enclausurada na redoma da lágrima que insisto não chorar.

[Imagem: Margarida Delgado]